quinta-feira, março 23, 2017

NA VERTICAL (Rester Vertical)























Sempre muito bom estar vendo um filme e não estar acreditando no que está passando diante de nossos olhos. Não que estejamos vendo algo puramente feito para chocar, até porque estamos falando do diretor Alain Guiraudie, o mesmo do sensacional UM ESTRANHO NO LAGO (2013). Assim, quem viu o filme que ganhou o curioso apelido de "Pirocas ao Vento" no Brasil, graças a uma espirituosa crítica de Inácio Araújo, já pode até estar preparado para algo fora do comum em mais um trabalho desse diretor que ainda está sendo descoberto em nosso circuito.

Por incrível que pareça, e por mais que NA VERTICAL (2016) seja um filme que carregue uma atmosfera de sonho o tempo inteiro, são vários os momentos em que a nossa consciência de estarmos vendo algo extraordinário se sobrepõe à nossa vontade de embarcar na viagem proposta por Guiraudie. Seja por causa de algumas imagens de encher os olhos, seja pelas sequências mais provocantes e surreais.

A história tem a sua importância. Somos apresentados a Léo (Damien Bonnard), um roteirista que tem o hábito de buscar parceiros (ou parceiras) e depois largar tudo para voltar para sua vida na cidade grande. O filme se passa, em sua maior parte, no entanto, no campo. É lá que Léo tenta abordar um rapaz, através de cantadas para ele ser um astro de cinema etc. Como não é bem-sucedido na abordagem , vai parar em um campo, onde conhece a pastora de ovelhas Marie (India Hair), mãe de duas crianças. Sob o testemunho das estrelas e com a aceitação do pai da jovem mulher, os dois ficam juntos na casa. A primeira cena de sexo deles é um exemplo do quanto Guiraudie aprecia trazer para um universo de quase fantasia momentos de realismo explícito. E por explícito, estamos falando de sexo explícito também.

Jean-Louis (Raphaël Thiéry), o pai de Marie, também desempenhará um papel importante na história, já que Léo, sabe-se lá por que motivo, é capaz de fazer com que várias pessoas se apaixonem por ele. A vida do protagonista muda da água para o vinho quando Marie decide, ao perceber a real falta de interesse de Léo por ela, em suas idas para a cidade sem dia para voltar, deixar a criança que ambos tiveram juntos totalmente com ele. E aí a narrativa muda da história de um conquistador canalha para a de um homem carregando um bebê por todos os lugares.

Na narrativa, há ainda um personagem de fundamental importância, o velho senhor que cuida do rapaz que é objeto de desejo de Léo. O velhinho é fã de um bom e velho rock and roll, sempre ouvido no volume máximo e é com ele uma das cenas mais inusitadas já vistas no cinema nos últimos anos.

Cheio de sequências memoráveis, NA VERTICAL é desses filmes que são um convite para a revisão, para a entrada novamente naquele mundo louco orquestrado aparentemente de maneira caótica por Guiraudie, mas que percebemos ter sido dirigido com rigor por um dos realizadores mais originais e interessantes da atualidade. Um cineasta do novo milênio que tem sabido lidar com o insólito de maneira fascinante, elaborando desta vez um conto sobre vida, morte, nascimento e sobrevivência, tudo isso em registro queer.

Nenhum comentário: