sábado, maio 06, 2017

HIROSHIMA MEU AMOR (Hiroshima Mon Amour)























Há filmes que precisam de um pouco de maturação da nossa parte para que sejam minimamente valorizados. Minha relação com HIROSHIMA MEU AMOR (1959) não era das melhores, em comparação com o quanto este filme é amado e cultuado por uma vastidão imensa de cinéfilos. Muito da culpa disso está no fato de eu não ter me conectado nas primeiras vezes com o universo do filme e também conta o fato de eu ter visto duas vezes na telinha – e confesso que achava maçante, como quase todos os trabalhos que havia visto de Alain Resnais.

Mas aí eu resolvo dar uma chance e rever o filme, desta vez no cinema, em uma cópia linda, remasterizada em 4K. Meu Deus! O que é aquilo? Que obra maravilhosa é essa? Foi como se uma cortina escura tivesse saído de meus olhos e eu finalmente pudesse ver a beleza singular desta obra, perceber a perfeição em cada cena, o romantismo e o antinaturalismo das falas dos personagens, uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) e um arquiteto japonês (Eiji Okada), ambos casados, que se encontram e se amam em Hiroshima. A situação de ambos até lembra a de ANTES DO AMANHECER, de Richard Linklater, e sua sequência, já que aquele é o último dia no Japão da atriz francesa.

HIROSHIMA MEU AMOR, pelo menos em sua parte inicial, que mostra a conversa íntima e poética dos dois amantes em um quarto de hotel, enquanto falam sobre Hiroshima e vemos imagens da terrível herança deixada pela bomba atômica naquela cidade, é uma espécie de continuação do documentário em curta-metragem NOITE E NEBLINA (1956), sobre o holocausto e os campos de concentração nazistas. Vê-se que a verve documentarista e o interesse pelos horrores da guerra ainda eram elementos que assombravam Resnais. Para isso ele recorria à poesia falada para ajudar a compor a poesia em imagens.

O filme foi um dos marcos inaugurais da nouvelle vague francesa, quando lançado no mesmo ano de OS INCOMPREENDIDOS, de François Truffaut, no Festival de Cannes. Porém, Resnais já tinha muito mais tempo de estrada do que o jovem Truffaut. Seu primeiro curta é de 1936. Há um gap de 10 anos entre a obra posterior, mas isso, muito provavelmente se deve à invasão alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1946 ele não parou de experimentar e se aperfeiçoar.

HIROSHIMA MEU AMOR tem um erotismo sutil, mas de certa forma ousado para a época. Não há grafismo, mas há as vozes e os corpos. O erotismo nesses 15 minutos iniciais se funde com as imagens do horror das vítimas da bomba que destruiu aquela cidade, das imagens do museu que mostra vestígios daquela tragédia e de pessoas sofrendo em hospitais. Depois dos 15 minutos iniciais, estamos de volta a algo mais próximo da realidade, quando os dois terão que se separar, pelo menos por ora, para ir ao trabalho. É quando o filme se concentra mais no drama dos dois, sem no entanto deixar de mostrar assombrações do passado, como a história contada por ela sobre seu primeiro amor, um soldado alemão.

A história da personagem de Riva é tão intensa e sombria tinha tudo para eclipsar o fio principal da narrativa. Mas, como tudo no filme funciona à perfeição, essa história só ajuda a tornar HIROSHIMA MEU AMOR ainda mais poderoso, a dar ainda mais profundidade à personagem feminina e a torná-la ainda mais fascinante. A cena no restaurante, com ela se embriagando de vinho enquanto conta sobre seu passado, é tão cheia de amor e amargura que somos quase impossibilitados de não nos contagiarmos com essa imensidão de sentimentos.

E temos, claro, a construção visual na fotografia em preto e branco exuberante, mas também um tanto claustrofóbica. Porém, me pergunto o que seria do filme sem o roteiro poético de Marguerite Duras. As palavras são faladas de maneira bem pausada, para que sintamos o significado e a importância de cada uma delas, para que possamos sorver a poesia e o sentimento de paixão e angústia daquelas duas almas que estão prestes a se separar, mas que não conseguem se manter distantes uma da outra. E é por isso que não devemos nunca deixar passar uma experiência de ver os clássicos no cinema. É na telona que somos mais tragados pela força de obras magistrais como essa.

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